O Regresso
Voltaram, após meses de paz e sossego voltaram. Tinha conseguido mandá-los embora mas estão aqui nas sombras à espera.
Tento respirar mas não consigo, algo me aperta a garganta, os pés tornam-se dormentes e os olhos ardem.
Voltaram.
Meter os fones nos ouvidos e a música no máximo, pegar num livro e isolar-me nas suas palavras para não sentir a sua respiração sobre mim e alhear-me da sua presença em meu redor.
Tentar esquecer e ignorar… já não resulta. Fecho o livro, olho para o chão e vejo um círculo de sombras junto a meus pés e volto a respirar. Funcionou, resulta sempre. Usar o que nasceu comigo para os afastar, tornar-me uma oponente igual.
Meus olhos ficam a ver o que para outros não existe, na minha pele sentir o que para outros não passa de uma brisa normal.
Sair e puxar o casaco até cima e percorrer o caminho que falta em silêncio e de cabeça baixa. Ignorar o que voltara, querer ser como toda a gente, esconder as artes que domino desde sempre para me manter longe desse mundo que receio.
Desviar-me daqueles que me sentem como igual para não ser tocada. À noite deitar-me esgotada para adormecer imediatamente sem os ouvir, fazer um círculo para não os sentir tocar meu corpo frágil e esconder-me debaixo dos cobertores para que a sua respiração não chegue a mim.
Sentir o frio e tentar aquecer-me para descansar, de manhã acordar cansada por passar uma noite a mantê-los à distância e acordar dormente como se o mundo passasse ao lado. Ver, sentir, ouvir.
O silêncio, o escuro trazem memórias de uma infância longínqua e uma adolescência longa passada em momentos fugazes e segredos. Tempos que voltam por não ter forças para lutar, voltar a usar a arte para me proteger e mantê-los longe por ter medo de os deixar voltar…